quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Mulheres no volante

Há três anos, Sandra Maria Ghuilhermitti tomou a importante decisão de se tornar motorista da lotação. Prestes a se aposentar profissionalmente, ela não pensou duas vezes quando viu que precisaria pegar no volante e encarar o trânsito vicentino, transportando por dia centenas de pessoas. “Somos permissionários de um carro do qual meu marido era o motorista. Mas a diabete acabou comprometendo sua saúde e ele precisou se afastar”, explica.
Para não deixar sua lotação o dia todo na mão de motoristas auxiliares, Sandra decidiu que ela dirigiria o carro pela manhã e se surpreendeu com o resultado dessa determinação: “Dirigir lotação é terapia e eu adoro, trabalho aqui com o maior prazer. E tenho meus clientes fiéis, que esperam eu passar para pegar meu carro. Isso porque estou sempre pra cima, cantando e cumprimentando os passageiros”. Conhecida no sistema como “roda-presa”, Sandra ri do apelido que lhe deram. “Eu ando devagar, mas sempre encho o carro”, emenda.
Ela é uma das 88 mulheres cadastradas na Secretaria de Trânsito (Setrans) como motoristas de lotação em São Vicente. Um grande desafio, já que muitas vezes é preciso jogo de cintura para permanecer no sistema. “Culturalmente existe o preconceito contra mulheres no volante e nas lotações não foge à regra. Passamos por discriminação tanto de colegas quanto de passageiros. Há quem não entre na lotação quando vê que é uma mulher dirigindo”, afirma Solange Oliveira da Silva, motorista profissional há dois.
Para encarar o dia-a-dia no trânsito da primeira cidade do Brasil é necessário, muitas vezes, habilidade e isso é uma proeza para as mulheres. “No trânsito, temos mais jogo de cintura e assim também conquistamos clientes, além de recebermos muitos elogios”, diz Tânia Aguiar, motorista profissional há quatro anos.
Quem concorda com ela é a cobradora Rosemeire da Silva Matias, que há seis anos trabalha nas lotações. “As mulheres têm mais cautela no trânsito, são mais cuidadosas com o carro e tratam melhor os usuários”, afirma.
Marina Andrade Souza, que é motorista profissional há 18 anos – dedicando os últimos 12 às lotações, reitera as palavras da cobradora. “Muitos dizem que mulheres dirigem melhor, pois têm mais atenção e visibilidade no trânsito. O que sei é que recebo muitos elogios pelo meu trabalho e foi através dele que criei meus filhos”, afirma.
Com tamanha experiência no trânsito vicentino, Marina é uma mulher com muitas histórias para contar. Todo o dia, antes de ir trabalhar, passa por um ritual de beleza, em que destaca o penteado e perfume. “Sou vaidosa e gosto de mudar o cabelo diariamente, além de estar sempre bem perfumada”, revela ela, que também é a única permissionária de lotação em São Vicente com os bancos do veículo na cor rosa.
Mas essa vaidade não é sinal de delicadeza, já que as duas vezes em que sua lotação foi assaltada encarou de frente os bandidos. “Penso que numa situação dessas é matar ou morrer. Nas vezes em que tentaram me pegar, os ladrões se deram mal, pois não vou ter medo de alguém que diz que vai acabar comigo. Em ambas as vezes ataquei os bandidos e eles fugiram, mas os persegui. O primeiro foi preso na hora e condenado há 35 anos de prisão, porque tinha outros crimes no currículo. O segundo levou 200 passes e o perdi de vista. Quatro dias depois o encontrei, por acaso, num almoço na casa de um amigo e descobri que o assaltante era filho desse amigo, que ao saber da história me deu um cheque no valor dos passes”.
Com mil e uma façanhas, essas mulheres mostram que encontraram nas lotações mais que um meio de vida. “Já fiz várias coisas. Fui doméstica, costureira, motorista particular e fiz mudanças. Há três anos sou motorista de lotação e amo o que o faço. Me dedico ao transporte coletivo de passageiros muito mais por vocação do que por necessidade. Dirijo com alegria e sinto que este prazer de estar conduzindo pessoas nos faz seres humanos melhores”, finaliza Judith Santos.